domingo, 2 de dezembro de 2012

Não aconteceu em Ponta Grossa...

- Ana Carolina, Ana Carolina, ai, vem cá gostosa, ai Ana Carolina...
- Acorda, seu desgraçado! Quem é essa vagabunda?
- Que, o quê? O que foi sua doida?
- Tava sonhando com quem?
- Sei, lá Marisa! O que foi, pra quê me acordar assim?
- Mas você é muito sem vergonha, mesmo! Eu já lembrei quem é Ana Carolina. É aquela amiga da Suzana, que veio pra München...quando foi que você ficou com ela?
- Eu não. Não fiquei com ninguém, não. Ontem fiquei o tempo todo com você. Mal conversei com a Ana!
- Mas tava sonhando com ela, dizendo o nome dela, chamando de gostosa!
- Não, não é nada...os caras da faculdade ficaram falando...ela é bonita, devo ter ficado com isso na cabeça.
- Eu vou é ligar para Suzana e tirar isso a limpo, Eduardo!
- As quatro da manhã?
- Não quero nem saber! A Suzana tá de plantão na delegacia, deve estar acordada. Quero ver se você já conhecia essa menina ou o quê!
      Suzana nem sabia o que dizer para Marisa no telefone. Tinha ficado perto de Ana o tempo todo, no dia anterior. Mas como responder em nome da amiga? Ana tinha ido para Ponta Grossa visitar Suzana mas já tinha voltado pra Curitiba. Não tinha ficado com ninguém, que Suzana soubesse, e Suzana sabia de tudo da vida de Ana. E a Ana tinha namorado. Não era de fazer esse tipo de coisa. Esperou o dia amanhecer para ligar para a amiga e tentar entender o que tinha acontecido.
- Como assim, se eu fiquei com o namorado da sua amiga? Tá louca Suzana? Não saí um minuto de perto de você. E a menina tava com ele o tempo todo também. Nem olhei para ele. Juro.
- Sei lá. A Marisa tá enlouquecida, querendo ir para Curitiba, para você dizer na cara dela que não ficou com o Eduardo.
- Que bando de gente louca, eu tenho minha consciência bem tranquila. Fala para menina me ligar, se quiser. Não fiz nada não, nem olhei, mesmo!
      Ana não tinha feito nada. Não tinha olhado para ninguém. Ficou muito chateada. Por outro lado, sentia-se meio estranha ao pensar que um quase desconhecido pudesse sonhar com ela. Anos depois, passou por uma situação parecida, mas que pode aceitar com bom humor. O namorado estava dormindo em sua casa. De madrugada, começou a falar:
- Cara, que gostosa! Cara, aquela loira, hum, aquela loira é muito gostosa, aquela loira cara, a loira...
- Que é isso? Rodrigo? Tá falando com quem?
- Cara a gostosa, a loira gostosa da farmácia. Cara aquela loira é muito gostosa! Como eu queria aquela loira de papelão. A loira gostosa de papelão da farmácia.
- Como é isso? Rodrigo, que loira é essa?
- Nossa! Eu tava sonhando que conversava com o Pedro.
- Tava é falando de uma loira!
- Tá bom, é verdade. Eu tava falando pra ele da loira de papelão da farmácia. Desculpa, não foi por mal, eu juro. Nem é mulher de verdade...
        Pra que brigar a toa? Ana achou melhor dar risada. Lembrou do carinha em Ponta Grossa, sonhando sem motivos com ela mesma. Gostava do Rodrigo. Não valia a pena brigar por causa disso. E como diria Suzana, os homens são assim, todos loucos mesmo, pra que tentar entender?

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A paixão impossível.

   Que estava apaixonada ela sabia. E sabia que se apaixonar era como olhar no espelho meio com sono. Você não vê nada, apenas olha e acha que está tudo bom, e depois sai descabelada, dando vexame. De verdade, não está nem aí. Ele passava longe de ser lindo, mas ela só pensava nele em cada minuto do seu dia. Ele era romântico, audacioso. As vezes arrogante, as vezes tímido e meigo. Ela analisava aquele pluralismo de personalidade e suspirava. Um homem de verdade. Que sabe como conquistar uma mulher, que sabe o que dizer, e sempre na hora certa.
    Antes de embarcar para mais uma daquelas maratonas de shows, ele deu uma conferida no celular.Pela internet mais uma mensagem dela. Mas afinal, quem seria ela? Mais uma vez passou a imaginar como ela seria. Características físicas mesmo. Porque o que ela pensava, seus sonhos, seu modo diferente de dizer as coisas, ah, isso ele já conhecia bem!
    Ele no palco a emocionava, ela jamais teria coragem de chegar mais perto que isso. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Ele cantou a música nova. Ela ficou imaginando em quem ele pensava quando a compôs. Sonhou acordada que era para ela. Que era a musa merecedora de tanta paixão.
     As luzes quase impediam de ver a platéia. Estava na cidade dela. Provavelmente ela estava lá. Perto do palco, olhando para ele, cantando a música que ele jamais poderia confessar que fez para ela, aquela desconhecida que ocupava seus pensamentos e era a única que interessava entre tantas fãs. Foi para o hotel dormir, não sem antes olhar se havia alguma mensagem dela. Decepcionado ligou a tv e tentou se distrair.
     Ela voltou a pé para casa pensando em como era boba. Ela, uma pessoa comum, apenas mais uma naquela multidão. Pensou em pelo menos enviar um boa noite, mas aquela hora ele estaria no hotel, provavelmente com aquela que tanto o inspirava. Melhor ir para casa, dormir escutando a música dele, sonhando com ele, sua paixão impossível.

domingo, 11 de novembro de 2012

A grande escrivã.

     Acho que todos que acompanham e estavam morrendo de saudades da Suzana, já sabem que as amigas dela são sempre mulheres fortes, empoderadas. Assim também é a equipe quase que totalmente feminina da delegacia. Policiais escolhidas por competência, inteligência e amor ao trabalho. Hoje vou contar uma história de uma dessas grandes policiais.
     Suzana teve que ceder. Era o seu voto contra o de toda equipe. Ela queria a festa de confraternização de final de ano num bar onde a banda do seu namorado tocava. Como foi vencida, aceitou ir com os colegas em uma danceteria. Só de imaginar aquele tuch tuch já embrulhava o estomago. Ficaria feio demais não ir...foi. Sentou meio sem graça, pediu um refrigerante sem gelo porque já estava incomodada demais com o ar condicionado gelado. Ficou meio deslocada enquanto a galera se acabava de tanto dançar. E assim estava, quando viu a polícia militar invadir o estabelecimento. Junto com a polícia, conselheiros tutelares. Foram abordando todos os suspeitos e apreendendo todos os menores de idade. Ela não conseguia ouvir, mas de longe percebeu que um dos conselheiros falava com Michelle, uma escrivã da delegacia de Suzana. Parecia haver algo de errado, correu até lá para entender o que acontecia:
- O senhor está de brincadeira comigo!
- Eu não estou brincando mocinha, por favor, sua identidade ou terá que acompanhar os policiais e aguardar seus pais virem buscá-la!
- Como assim, meus pais?
- É proibida a permanência de menores em casas noturnas. Preciso realmente conferir se você tem dezoito anos. Agora, por favor, seu documento!
      A delegada achou engraçado demais para intervir, a escrivã que não era tão mais nova do que ela mesma, com seus "quase" um metro e sessenta e rostinho de menina, podia mesmo, na meia luz ser confundida com uma adolescente. Suzana chegou mais perto para ouvir a colega, continuar discutindo com o conselheiro.
- Mas eu não sou menor. Sou maior e já faz tempo que tenho muito mais que dezoito. Eu sou policial!
- Então a senhorita me faça o favor de me apresentar sua carteira funcional!
        Vermelha como uma pimenta, Michelle "sacou" a carteira funcional, o conselheiro nem teve a educação de se desculpar. Deu as costas, apenas, e foi importunar outra menina. Michelle percebeu que metade das pessoas que ali  estavam olhavam para ela. Entre essas pessoas, Rodrigo. Ele era um estudante de direito que sonhava em ser delegado de polícia. Tinha uma certa fascinação por policiais de rostinhos bonitos e personalidade forte como Michelle. Ele aproximou-se com um sorriso tão lindo, que na mesma hora Michelle esqueceu da raiva que havia passado. Suzana voltou para sua mesa. Adorava quando sentia aquele clima de romance no ar. Era apaixonada por essas histórias que começam no caos. Não a ponto de continuar aguentando aquela música. Discretamente, pegou a bolsa, o capacete e se mandou para o show do namorado. Suzana era assim, intolerante demais com música que não fosse rock, mas isso é bem fácil de entender...



* Para Danielle Alves.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Quero te ver feliz (2)

Quero te ver feliz
Correndo atrás de sonhos
Procurando novos amores

Quero te ver feliz
A cada vez que eu ver seu rosto
Mesmo que você não saiba
O quanto quero te ver feliz

Quero te ver feliz
Doa a quem doer
Quero te ver feliz
Mesmo que doa em mim

Quero te ver feliz
Quero ver seu sorriso
Quero sorrir por você

Quero te ver feliz
Quero que seu sorriso
Não seja de ironia
Quero te ver cantando
Quero te ver em sonhos

Quero te ver feliz
Quando olho pela janela
Quero ser o que posso
O que tenho a oferecer

Quero te ver feliz
Quero te sentir feliz
É só o que posso querer
É só o que posso pedir

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O amor não existe!

      O amor não existe! Existe o amar, bravo, livre, solto, azul. Salgado como minhas lágrimas, distante como meu amor. Existe a morte, que espero com desprezo, mas sei que lá cairei num sono eterno.
      Não mais sonharei contigo. Nunca mais será o primeiro pensamento do meu dia, nem invadirás as minhas insônias continuas.
      Existe tanto para além de ti, e esse tanto, que queria tanto agarrar, foge-me. Escorre-me entre os dedos a areia fina da praia do meu inverno.



Escrita pelo meu querido Vinicius Borges, aluno do 8° C, Colégio Estadual Ottília H. da Silva.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Eu é que caí...

      Era estabanada, desastrada. Só isso. Desde pequena, vivia com band-aid nos joelhos, quando os pais não levavam na emergência do hospital, apelavam para o tio, médico ortopedista.
- Desta vez, nenhuma fratura, como foi que aconteceu?
- Eu estava descendo, de patins, de bicicleta...
- Espere! Afinal de patins ou bicicleta?
- Os dois. Eu estava de patins, andando de bicicleta. Quando chegava no degrau entre a calçada e o gramado eu pulava da bicicleta e escorregava na rampa de patins, até que uma hora não deu certo!
      Depois de adulta, continuava igual, vivia com marcas que nem lembrava onde tinha batido. Já era muito tarde, teve sede, foi até a cozinha beber água. Esqueceu porém que naquela tarde tinha mandado instalar um portãozinho de madeira para impedir seu bebê de gatinhar entre os perigos da cozinha. Com portão e tudo na escuridão, caiu estatelada na cozinha, o portão desmanchou-se. Cada parte do seu corpo doía.

      Atendeu a cliente como de costume, pediu para tirar a calça e subir na maca. Não teve como não ver os grandes hematomas de todas as cores, do amarelo pardo até o tom de roxo. Eram marcas nas pernas, barriga, virilha...uma judiação!
- Olha, não é o que você está pensando. Eu é que caí, digo, caio, me bato a toa...
- Não precisa dizer nada não!
      Procurou fazer seu trabalho, se não fosse pela ética profissional, se não precisasse tanto daquele emprego, enfiaria o aparelho de Fotodepilação na garganta do monstro que com cara de bom marido, aguardava na recepção.
   
   

sábado, 1 de setembro de 2012

Well, Well, Gabriel...

      Fiquei muito tempo analisando como poderia contar esta história, na verdade, não quero parecer injusta contando tudo só pelo lado de Suzana, como sua amiga. Outro dia, ela puxou o assunto, como quem não quer nada, eu sei que faz tempo que ela faz rodeios, sem me pedir para falar sobre isso, sei que mesmo daqui cem anos ainda vai doer em Suzana...mas enfim, estávamos em um show de rock (claro que era rock!), para variar um pouco, ao lado direito do palco, o guitarrista, um carinha de uns vinte anos, cabelo compridaço, castanho claro, bem lisinho...um ventilador de teto fazia o cabelo dele voar. E ele agitava aqueles cabelos de um modo alucinante.
- Ele parece o Gabriel.
- É, até que lembra, os cabelos são iguais...
- Mas falta para ele aquela presença de palco, aquele ar de superioridade do Gabriel.
- É Suzana, ele parece muito mais " querido" que o Gabriel.
- E ele não canta. Lembra da voz do Gabriel?
- Saudades, Suzana?
- Quem, eu? Daquele traste imundo? Nunca. Eu irei odiar ele por todos os dias da minha vida...sabe o quê? Esquece o que eu falei. Odeio até falar este nome.
- E se eu escrevesse, Su?
- Pode escrever. E pode ser sincera. Não precisa me defender.
        Gabriel tocava guitarra em uma banda, era vocalista também. Não era só isso. Era o melhor guitarrista de Curitiba. Todo mundo conhecia o Gabriel. Ele tinha milhares de meninas apaixonadas por ele. Show da banda era casa lotada. Sempre. Em toda cidade, a fama de Gabriel crescia. Tocava muito bem mesmo. E era lindo! Morava com a mãe no mesmo prédio que Suzana. Tinha perdido o pai, ainda bebê, então era cercado de mimos pela mãe que fazia todas as suas vontades. Gabriel tinha um grande amigo, chamado Augusto. Estudaram juntos desde o maternal, porém um dia, o pai de Augusto, que era separado, resolveu namorar a mãe de Gabriel. Gabriel enlouqueceu, queria bater no pai de Augusto, morria de ciúmes da mãe. Augusto, acabou no meio da briga e assim acabou a amizade dos dois. Mesmo assim, a mãe de Gabriel, quando ele completou dezoito anos casou com o pai de Augusto, e o deixou sozinho no apartamento que era herança do pai. Tinha que aprender a se virar. A ser um homem. Imaturo, e com toda liberdade do mundo, Gabriel saia para tocar e só voltava pela manhã, completamente bêbado. Quase todos os dias. Uma noite, saindo do bar, sozinho ia para casa, quando esbarrou num garoto com um skate. A maioria dos skatistas que andavam por ali, eram amigos de Gabriel, mas aquele carinha devia ter saído de algum bairro distante. Do nada, apareceram mais uns dez. Pularam em cima de Gabriel, bateram nele ate ele cair desacordado.
      Suzana parou o carro e gritou. Estava muito assustada com o que tinha visto. Era muita violência e covardia. Um taxista também parou para ajudar, junto com duas meninas que passavam. Suzana, reconheceu seu vizinho, e com ajuda dos outros três, colocou Gabriel desmaiado no banco traseiro do seu carro, ele sangrava muito e Suzana achava que ele ia morrer. Levou ele até o Hospital mais próximo. Ficou com ele o tempo todo, mas ele acordou. Não tinha nenhum osso quebrado, nada muito sério. Ficou em observação por um tempo. Quando foi liberado, Suzana, foi com ele até o apartamento dele. Cuidou de Gabriel, todo o final de semana. Depois disso, viviam grudados. Por algum tempo foram os melhores amigos. Suzana saía do trabalho e ia direto para casa de Gabriel, comiam alguma coisa e ela ia para faculdade, e nas sextas-feiras, saia da faculdade e voltava para o apartamento de Gabriel, de lá iam para onde a banda fosse tocar. Começou a ser odiada pelas meninas que idolatravam o guitarrista. Por outro lado, muitas meninas tentavam "forçar uma amizade" com ela. Foi o caso da Fabiana. Fabiana ia atrás de Suzana onde ela fosse. Afinal, onde estava Suzana, estava Gabriel...
      Tudo parecia muito bonitinho, se não fosse um detalhe: Suzana apaixonou-se perdidamente por Gabriel. Tá, ele também gostava dela. Muito até. Tinha ciúmes até da sombra dela. Isto antes de começarem a namorar. Depois disso, até quando tocava, não tirava os olhos dela. Um desavisado, que por um acaso, chegasse perto, já era. Briga na certa. Uma vez, Gabriel, tacou de cima do palco mesmo, uma garrafinha de água mineral em cima da cabeça de um carinha, que só tinha perguntado as horas para Suzana. Quando, viajava com a banda, levava Suzana junto. A banda crescia, o ciumes de Gabriel também. Junto com tudo isso, Gabriel era assediado por um milhão de meninas, que fariam qualquer coisa para ficar com Gabriel. E o chefe de Suzana de uma hora para outra começou a dar em cima dela, descaradamente. Gabriel queria que ela saísse do emprego, mas Suzana estava esperando ser chamada num concurso público que tinha passado, emprego naquela época era difícil e Suzana não podia ficar desempregada. Gabriel estava cego de ciúmes e começou a brigar com Suzana, dizendo que ela gostava daquela situação. E Suzana retrucava que ele é que gostava daquela mulherada tentando agarrar ele todas as noites. Um dia tiveram uma briga feia. Como gostava muito dele, Suzana decidiu dar o braço a torcer, tinha o dinheiro que estava guardando para sua moto, na poupança, se precisasse podia ficar um tempinho sem trabalhar, ainda morava com o pai, não tinha tantas despesas, apenas a prestação do carro. Ficaram uns três dias sem se falar, doía demais a ausência dele. Suzana pediu a conta e foi falar com Gabriel. Tinha a chave do apartamento dele. E ao entrar, a surpresa nada agradável. Flagrou, Gabriel com a Fabiana, da pior maneira possível.


Continua em Well, Well, Gabriel... parte 02
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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A filha do Roberval

      Isto já faz muito tempo, só sei que foi antipatia a primeira vista. Ela me irritava e me lembrava as quengas do apartamento de cima, eu odiava elas, e era reciproco. E foi difícil me livrar, mas no fundo eu sabia, eu estava no meu território e elas e que deveriam sumir. Deu trabalho. Muita oração das amigas evangélicas, uma ajudinha do pessoal da D.P. e bem, dizem as más línguas que o que pesou mesmo foi a morte do Japonês. Caramba, mais uma frase louca dessas e quem já não entende nada sou eu....vou recomeçar...Eu sou do tipo que amo ou odeio. Ponto. Não existe meio termo. Sou a pessoa mais criativa do mundo quando amo...mas se estou com raiva, muita raiva, daí sou sensacional! Ninguém chega aos meus pés. E peguei muita raiva de umas "garotas da vida" que resolveram morar e "trabalhar" no apartamento de cima. Tudo bem, problema delas seria se as festas não começassem todos os dias depois das dez, e se elas não tivessem o vício de dar "por engano" o número do meu apartamento para seus clientes...e, eu, trabalhadora de dia, universitária a noite e nutriz de madrugada...aturando os saltos batendo nos tacos, o som alto e os palavrões. Então, primeiro vieram as amigas evangélicas aqui e oraram muito, depois fui na delegacia, fiz B.O. e termo circunstanciado por perturbação. Daí, um japonês pulou da janela do corredor do meu andar...e misteriosamente, de madrugada elas arrumaram a mudança e sumiram do mapa! Deixando para trás seis meses de condomínio e aluguel pago. Neste dia, quem começou a rezar fui eu. Pedi tanto, que para o apartamento de cima e para o do lado, mudaram dois casais de velhinhos. Gente boa, da melhor espécie. Venci. Ponto final agora.
      Então, voltamos á primeira linha, eu dizia que a antipatia que eu tinha dela era semelhante a que eu tinha das quengas do apartamento de cima. Por que? Já não falei que era gratuita? Quer dizer, mais ou menos, ela me olhava daquele jeito antipático e no tempo em que eu ainda curtia passarinhos azuis, tinha ela entre os que eu seguia e me seguiam. Era tão burra que andou falando de mim, e para boa entendedora meia twittada basta. Excluí, bloquei, mas também pensei numa vingança, tinha que ser algo muito diferente, eu podia transformar ela em personagem e matá-la, putz, isto já perdeu toda a graça! Mas ainda me restava a comédia...
       Ela era filha do Roberval, uma solteirona típica. Ainda morava com o pai e com a mãe, por puro comodismo, não tinha nascido pra cuidar de uma casa, então viver com a mãe era tudo de bom. Não era nenhuma velha, tinha por volta dos trinta e cinco, mas era tão chata, tão chata que nem Roberval de porre a aturava. Também era muito azarada. Naquela tarde chuvosa, correu para pegar o ônibus, (coisa brega essa de correr para pegar o ônibus!) O motorista acelerou, como eu, ele também não ia com a cara dela, passou em cima de uma poça e jogou toda aquela lamaceira direto na roupinha branca dela. Ah, esqueci de dizer, ela era enfermeira de um hospital público aqui de Curitiba. Era chefe, então achava-se a tal, mesmo sendo mal paga para fingir que trabalhava num hospital sucateado que fingia que atendia pobres sofredores cadastrados no SUS.
        Pegou o próximo ônibus. Lotadérrimo. Mas, mal-educada que era, sentou num banco amarelo destinado a idosos, gestantes e deficientes. Ah, agora são para obesos também, mas de gorda ela só tinha a barriga e a bunda flácida...mas isso era só feiura mesmo. Uma senhora que queria muito sentar, fincou-se do lado dela e começou a bater o cabo do guarda-chuva no chão. Coisa irritante. Atrás dela, sentou um funkeiro. Som no máximo. E um chulé....Todas as janelas cerradas. Acho que o chulé impregnou-se na roupa molhada. Chegou no trabalho, molhada, suja, descabelada, fedendo e atrasada. Que chato, bem no dia que teria reunião com o médico bonitão. E ele passou por ela fazendo cara de nojo. Como eu sei?  Esqueceu que ela é filha do Roberval? Eu tinha ido visitar meu amigo Roberval, bem na hora que ela ligou para ele, e ela fala tão alto que escutei tudo. Então pedi para falar com ela, tão boazinha que sou, resolvi ajudar a melhorar o astral...toda gentil, aconselhei ela comprar um carro, ops, como fui esquecer que ela reprovou oito vezes e não conseguiu tirar a carteira? Foi mal. Depois contei que encontrei com a Roseli, aquela que casou com o ex-noivo dela. Para de chorar menina, ele nunca gostou de você, mesmo! Foi o que falei para ela, na maior das boas intenções.
        Tá bom, exagerei.

sábado, 18 de agosto de 2012

Desejo 05

Quero te beijar
minha voz 
em teu corpo calar

Volúpia correndo
em corpos
gemendo

Pelo simples prazer
em um toque
teu corpo reconhecer

Eterna apaixonada
Carente louca ao te ver
Sóbria embriagada

Contradições
nada importa
apenas corpos
e corações


Desirée Cavallin em 08/08/89 21:27

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Lua toda Nua

      O nome dela era Lua. Talvez por isso fosse tão inconstante, tão cheia de fases. Em sua face rosada, um quê de misterioso. Não era tão nova que pudessem lhe chamar de menina, nem tão cheia que fosse gordinha, nem tão triste que fosse minguante, nem tão alta que fosse crescente. Estava despida, e assim tão aparente, que podia se esconder de qualquer um. Porque estava lá, sempre, então por vezes era despercebida.
       Era tão inatingível que muitos olhavam para ela como lobos apaixonados. Entre uivos e gemidos, lá ficava ela, meio sem ação, só observando e tirando suas próprias conclusões. Sabia como e sabia ser, não tinha inveja das amigas estrelas e as vezes até dava uma olhadinha de canto para algum cometa, a incandescência deles a atraia, mas disfarçava bem, não era moça para tais indecências.
      Se um dia pudesse escolher, não teria nenhuma dúvida. Continuaria lá em cima, do alto de sua realeza, sonhando e sendo sonhada no azul do céu. Só que as vezes a solidão apertava e ela sentia-se nua, por demonstrar esta solidão. Tinha lá seu lado negro, é verdade. Mas quem não trava batalhas com o mais escondido de si?
       Então curtia sua própria mágica, as vezes orgulhosa, as vezes cabisbaixa. Sumia de dia, retornava a noite. Se tinha frio, se cobria de nuvens e esperava o frio passar. Não importava se sua altivez parecesse antipática. Era prisioneira de sua própria soberba.

domingo, 12 de agosto de 2012

O Vampiro das Brumas - parte 01

     Brumas. As duas adolescentes quase nada podiam ver enquanto subiam o morro em direção ao colégio. Já estavam acostumadas, porém uma delas tinha a mente tão turva quanto a névoa baixa. Pensava no bilhetinho que alguém tinha colocado em sua mochila na hora do recreio. Em tinta vermelha estava escrito: Você vai morrer! Podia até se tratar de alguma brincadeira, porém a menina não conseguia parar de pensar nisso:
- Você acha que eu deveria procurar a Pedagoga e contar, Brenda?
- Não sei, Amanda. Pode ser brincadeira de quem não tem o que fazer, talvez não seja uma ameaça real, mas você sabe que se procurar, ela vai te ouvir e vai te ajudar...sempre foi assim.
- Vou esperar. Se não mandarem mais nada, deixo quieto.
     Neste momento sentiram um ar gelado, Brenda ficou toda arrepiada. Alexandre, um garoto novo do colégio, passou por elas, ele era pálido, diferente, com um ar arrogante. Isto irritava Brenda só de olhar para ele. Passou por elas e nem um oi falou.. Por cima do uniforme, usava um sobretudo preto. Sim provavelmente ele queria fazer tipo e aparecer.
     As meninas entraram no colégio e antes de ir para sala de aula, passaram na biblioteca. As duas adoravam ler. Nunca ficavam sem um bom livro, liam de tudo, mas principalmente amavam toda e qualquer história de Vampiro. A madrasta de Amanda não gostava que ela se dedicasse a este tipo de literatura, queria que a atenção da menina fosse toda destinada aos conteúdos do colégio. Tinha lá suas razões. Então, Amanda aproveitava para ler nas aulas vagas e no intervalo.
      O professor de educação física tinha faltado, a turma ficou jogando nas quadras, e Amanda e Brenda aproveitaram para ler seus livros, sentadas na cantina. Quando estavam completamente entretidas na leitura, Alexandre veio e sentou ao lado delas:
- Livros sobre vampiros? Este assunto muito me interessa! Apesar de pouca verdade haver nos livros, alguma coisa se aproveita.
- Você gosta de ler?
- Um pouco, prefiro assistir bons filmes, já li demais, perdeu o encanto.
      Amanda até que achou ele bonitinho, mas Brenda odiou ele, não que ele tivesse feito ou falado algo demais. Ele a irritava e a assustava.Tentava voltar a leitura quando ouviram o grito. Vinha da sala delas, então correram para lá. Uma menina da turma estava caída no chão. Gelada e inconsciente. No quadro negro, uma frase de efeito: Você também vai morrer!


Continua em: O Vampiro das Brumas  -  parte 02
Escrito a pedido de Anne Kethellin e Bruna Luz, com um pedido de desculpas pela demora!

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Porque ninguém escutou.

Sorriu porque não tinha lágrimas
Calou porque não tinha voz
Pulou porque não tinha corda

Abafou porque não tinha grito
Correu porque não tinha chão
Tentou porque não tinha medo

Falou e ninguém escutou
Jurou e ninguém duvidou
Desistiu e ninguém notou

Contou porque não tinha lágrimas
Parou porque não tinha chão
Desistiu e ninguém escutou



Desiveloso em 06/08/2012    18:39

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Brasa coberta com cinzas.

     " Acredito que amor é para sempre, não existe meia volta. Um dia ele aparece, e pode ser bem guardado, a sete chaves por uma vida toda...mas não estará apagado, será brasa coberta com cinzas."

       Rafaela é prima de Suzana. Quando tinha catorze anos achava que a vida era muito leve, tão leve que poderia voar. Foi num Baile do Colégio Militar, realizado num clube tradicional de Curitiba que o inesperado aconteceu. Estavam todos lá, todos os queridos amigos que cresceram juntos no condomínio onde Rafaela morava. Tiago, que era apenas mais um desses amigos, surpreendeu a menina com um beijo, que ela retribuiu sem perceber que com ele iniciava o primeiro amor de sua vida.                 Que estavam apaixonados, todo mundo já sabia, que cada vez que se encontravam ficavam juntos, todo mundo podia ver...mas ainda tinham tão pouca idade, e ele não queria namorar.
      Só que Rafaela queria mais, queria poder ficar com ele sempre, então aproveitando um encontro casual, em frente a panificadora do bairro, chamou o menino para conversar:
- Não posso mais viver esta situação que me deixa indignada! Eu gosto muito de você e quero ficar com você, dói muito saber que você não quer ficar comigo, se não é para ficarmos juntos de verdade, então não quero mais!
       Ele tinha lágrimas nos olhos quando respondeu para Rafaela:
- Eu sou muito novo e não quero namorar...gosto muito de você mas namorar...não dá! Eu quero continuar a ficar com você, vamos esperar mais um pouco e ver no que dá.
       Como o sentimento dos dois era muito grande, continuaram a ficar juntos, sempre que podiam. Era muito bom, era mágico e bonito de viver. Por dois anos Rafaela viveu assim, não ficava com ninguém, somente com ele, não podia correr o risco de perder Tiago. Só que aquela noite, num churrasco do condomínio, uma menina se aproximou dele e o beijou. Para o espanto de todos, ele começou a namorar a menina. Ele não foi "roubado" só de Rafaela. A menina o tirou do convívio de todos os amigos, e todos eles se revoltavam e não conseguiam entender porque ele ficava com esta menina, se amava Rafaela e Rafaela o amava. Foi aí que Rafaela se deu conta que a vida não era tão leve assim. Ninguém gostava daquela situação, e numa festa, uma das amigas tomou coragem e falou na cara da namorada de Tiago:
- Você roubou o namorado dela!
Rafaela, entrou no meio e vendo que ele assistia tudo muito chateado falou:
- Se ele quer ficar com ela, é escolha dele, não vou me meter nesta história!
      Depois em particular, Rafaela abriu seu coração para Tiago:
- Não fique brabo com nossa amiga, ela só estava tentando me defender, fique brabo comigo se for o caso. Se você quer ficar com sua namorada, respeito sua decisão, mas quero que saiba que nunca ninguém vai te amar como eu te amo! Você ainda gosta  de mim?
- Sempre que estou com ela, penso em você!
      Por mais que fosse difícil ver os dois juntos, Rafaela pensava que pelo menos assim poderia viver sua vida. Com outra pessoa, Rafaela decidiu construir seu futuro, e no dia em que foi na paróquia marcar seu casamento descobriu que Tiago também estava de casamento marcado, com aquela mesma menina...
      Alguns meses depois, Rafaela teve um sonho, tão real que chegou a ficar assustada. No sonho, conversava com a agora esposa de Tiago e soube que eles tinham uma filha. Quando acordou, foi até o centro da cidade, encontrou com uma amiga em comum, e contou sobre o sonho que tinha tido. A amiga ficou impressionada e respondeu:
- Eles realmente tem uma filha, a Beatriz nasceu ontem!
      O que Rafaela e Tiago sentiam um pelo outro era realmente algo muito forte, por mais longe que estejam, Rafaela sabe que de alguma forma ainda existe uma ligação inexplicável. Parece que seguiram juntos por caminhos separados. Se um dia ainda irão se reencontrar, somente o destino poderá dizer...


Com todo meu carinho, para Renata Kovalski.



sábado, 28 de julho de 2012

Será errado amar demais?

      "Será errado amar demais? Se for, eu e a Suzana já nascemos erradas. Amo todos os que me cercam e até trabalho por pura paixão, meus adolescentes me encantam porque eu mesma nunca vou deixar de ser adolescente, em cada menina que me procura, pedindo apoio e consolo em suas angustias, reencontro a menina que um dia fui. Viver intensamente para mim é um dom natural, nunca consegui me acostumar com a mediocridade."

      Suzana, pela pequena janelinha do sótão, da casa de varanda, observa as pessoas passarem, escuta uma música que aperta o seu coração. Corre pegar caneta e papel, e escreve uma carta para Ana. Toda metódica, só usa a mesma marca de caneta, tenta fazer a melhor letra possível porque odeia reescrever. Ana, somente Ana consegue entender tudo o que ela pensa, faz, ama e sofre. Nem chega ao meio da carta e já está sorrindo, Ana tem esta magia, de mesmo a distância consolar Suzana. É engraçado como duas pessoas tão diferentes podem ter tanta sintonia. Queria poder abraçar Ana, porque está precisando de colo. Escuta a campainha e volta correndo para janelinha. Ana está no portão.
- Chorando de novo, Suzana?
- Eu chorando? Claro que não! Essa lente tá irritando meus olhos...
Ana conhece cada pensamento da amiga, então prefere se calar, sobem a escada do sótão e Suzana recoloca o disco, aumentando um pouco o volume. Deitam no chão de madeira polido por Suzana, Ana observa a ordem do quarto e resolve perguntar:
- Su, como você consegue deixar tudo tão impecável?
- De bagunçados chegam os meus pensamentos, Ana! Já pensou se meu quarto fosse tão doido como meu coração?
- O meu é...
- Você é um poço de contradições, Ana! Assim como eu. Vamos sair um pouco?
- Sei, dar uma voltinha...
- Hoje você está terrível! Sabe, eu estava pensando em ser jornalista, e você Ana, já se decidiu?
- Vou ser detetive, quero ter sempre uma arma na bolsa, acho que você deve ser jornalista mesmo, eu adoro as coisas que você escreve...
- Só você!
- Talvez porque eu seja sua única leitora!
- Eu dei umas poesias minhas para Bruna ler ontem...
- E ela?
- Disse que é uma droga, e que o professor dela falou que todo adolescente se acha poeta!
- Bem coisa da Bruna!
        Suzana fecha o cadeado do portão, fica alguns minutos olhando para o céu, Ana não fala nada somente observa, sabe que Suzana, na hora que achar que deve, vai contar o que passa em sua cabeça.
- Eu vi Ana!
- Viu o que?
-  Nosso futuro, bem distante. Você será a jornalista! E eu terei a arma na bolsa! Nossa vida será toda trocada, você vai chorar lágrimas que serão minhas, e eu é que vou te consolar, nossos destinos serão embaralhados.
- Deixa para lá, Suzana...hoje você está confusa demais até para mim! Por que eu haveria de chorar?
- Por amar demais, Ana!
- Não quero esse futuro não Suzana! Fica você com ele, e afinal, me explica amiga, agora ou no futuro, será errado amar demais?


Para Lylian Stinglin
   
   

sábado, 23 de junho de 2012

Até o Roberto a fez chorar...

      Eu acho que as pessoas só são verdadeiras até a adolescência. Ontem, um aluno de doze anos fez uma comparação que achei genial, ele falou que a adolescência pode ser comparada com a gravidez, porque é cheia de fases. Não falei para ele, mas pensando muito sobre o assunto, acho que ele está coberto de razão, além das fases, é toda uma preparação e um medo da dor do parto, ou da passagem para vida adulta.
      A adolescência de Ana e Suzana foi tão intensa, tão marcante, que por mais que as duas tivessem milhões de conquistas, a cada dia, fariam um esforço gigante para matar as meninas que um dia foram. Não por renegar o passado, muito pelo contrário, por amar demais um tempo que jamais voltará. Sofriam, choravam, mas acreditavam tanto no mundo e nas pessoas, que achavam que nunca seriam como os adultos. Tudo tinha mais graça e tudo tinha mais cor, até as coisas que odiavam, de certa forma, magicamente se transformava em romance.
      Naquela noite, era a mãe de Suzana que parecia ser adolescente, estava toda empolgada, com o Show do Roberto Carlos, aquele que é igual todo ano mas mesmo assim emociona o pessoal da (velha) jovem guarda. Mal começou o show, Suzana delicadamente fechou a porta do seu quarto, para não escutar o que achava ser a coisa mais brega do mundo. Deitou e enfiou a cabeça debaixo do travesseiro, porque a mãe tinha aumentado o som da tv, era muita cafonice para Suzana aturar, até que o tal do Roberto começou a tocar uma música antiga chamada Outra Vez. Suzana não tendo como não escutar, prestou atenção na letra, e imediatamente começou a chorar, e soluçava tão alto, que até a mãe largou o Roberto na sala, e foi ver o que acontecia com a menina...Suzana inventou uma dor de cabeça, uma cólica, qualquer coisa era melhor do que confessar. No dia seguinte, com a amiga Ana, nem sabia contar o motivo do choro, mas Ana sentia, não precisavam de palavras, então apenas foram para velha varanda, contemplar as nuvens e rir de todas as coisas da vida, que sem explicação fariam ter um dia motivos para entender porque se tornaram grandes mulheres, com pés no chão e a incrível facilidade de  recomeçar a cada dia.

sábado, 16 de junho de 2012

Finado Amado


Finado Amado

   A delegada  Suzana tinha um amigo chamado Roberval que vivia brigando com a esposa, principalmente quando tomava seus traguinhos. A mulher tinha um olfato animal, ele mal passava da porta e a velha gritava:
    - Bebendo de novo, Roberval!
E lá ia ela jogar o pobre Roberval para fora do apartamento! Ele, sem família e sem outro lugar para dormir, humildemente aparecia no apartamento de Suzana. Como ela não era de negar favor para amigo, sempre acolhia o bebum. Então, Roberval todo animado já ia pedindo:
     - Se não for pedir demais, posso usar seu computador? Posso ver o que a velhinha tá fazendo e falando, usando teu perfil?
     - Claro, Roberval, entra lá, você já tem minha senha mesmo, e olha, vai curtindo as postagens dos meus amigos, se quiser, até comente, tenho uma preguiça pra essas coisas, mas tenho medo que pensem que não tô nem aí pra ninguém...
      Uma noite, na internet, Suzana viu um compartilhamento muito sarcástico de uma amiga, foi seguindo os comentários e acabou levando um susto, uma das pessoas que comentava o post era um ex de Suzana e pelo que parecia, muito amigo desta amiga. Suzana ,assim que leu o nome, sentiu todo ódio que um dia tinha sentido por ele retornar em sua alma. Ela, não era daquele tipo totalmente "politicamente correto" e as vezes, em suas investigações criminais, utilizava um fake, para acompanhar na internet alguns suspeitos. Podia não ser certo nem legal, mas Suzana achava que os fins justificariam os meios. O fake era de uma linda mulher atraente, com foto e tudo. Uma bela armadilha para conseguir tudo o que queria saber. Só de raiva, usando o fake, Suzana começou a conversar com o ex pela internet. Teve mais ódio ainda pela vulgaridade do cidadão, o cara simplesmente se achava, e pior, começou a contar histórias para Suzana de todas as suas conquistas. Mulher para ele era apenas objeto de sua satisfação pessoal. Suzana foi dando corda, e até dela ele falou. Foi o que bastou. Suzana abominava violência, mas sempre fazia o que devia fazer. Estava pronta para sair quando Roberval chegou, o hálito etílico já denunciava que não tinha onde dormir.
      - Vai Roberval, vou dar uma saída rápida, já volto, você tá em casa, use o computador, espie a patroa, pegue o que quiser na geladeira, eu volto logo.
       Ela foi a pé, usando o sapato que uma prima que pisava torto tinha deixado em seu apartamento para  doar. Colocou a peruca ruiva que havia comprado para aquele fim. Tocou a campainha do apartamento, e mal ele abriu a porta já foi entrando. Usava luvas de couro, mas ninguém estranharia, morava em Curitiba e ainda estavam na metade de agosto.
      - Você?
      No dia seguinte, na delegacia, Suzana recebe um telefonema, uma grande amiga, de muitos anos era Investigadora de Polícia e trabalhava na Homicídios.
      - Bom dia, Suzana!
      - Bom dia, Juliana! Ótimo dia!
      - Ah, Su, não sei se vai ser tão bom dia assim depois do que eu vou te contar...
      - Conta logo, menina!
      - Lembra aquele teu ex, o Gabriel? Ele foi assassinado Su, o corpo já foi pro IML. Eu fui lá, na cena do crime, o próprio quarto do Sujeito, horrível, Su. Pensei tanto em você. Sei de tudo o que ele te fez, mas mesmo assim, naquele lugar eu só conseguia lembrar de você, teve uma hora que pareceu que eu estava até sentindo o teu perfume. Nunca fiquei assim, acho que é a primeira vez que eu conhecia a vítima.
      - Nem sei o que te falar, Ju. Quando aconteceu o crime?
      - Ontem a noite. A empregada chegou pela manhã e ligou para polícia. O cara era bem conhecido né Su, já deve estar na imprensa. Uma tragédia, hein? Ah, mas mudando de assunto, você não muda, ontem a noite quase morri de rir com seus comentários engraçados nos meus posts. Que que deu em você, menina? Tinha bebido?
      - Só um pouquinho, amiga, só um pouquinho!

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Já está tudo planejado, vou pular a Janela!

   Houve um tempo em que o Rock Nacional era a melhor coisa do mundo, não sei dizer o ano exato, mas isso realmente aconteceu entre os anos 80 e 90.Tudo de bom tocava nas rádios, era Legião Urbana, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Ultraje a Rigor... Tantas bandas que levavam a pobre Suzana a loucura cada vez que ficava sabendo de um show. Mas para ir, não era fácil não. Primeiro não tinha dinheiro, segundo que a mãe era osso duro de roer. Então passava as tardes tentando ganhar um ingresso nas rádios, ou cuidando do bebê da vizinha pra ganhar alguns trocados, as vezes voltava a pé do colégio, só para economizar o dinheiro do ônibus. Com o ingresso na mão era mais fácil convencer  a mãe. Só que desta vez os Shows seriam no litoral, eram várias bandas que Suzana amava, todo mundo ia, todas as amigas de Suzana. A mãe disse não. NÃO. Não vai. Sem motivo. Apenas não. Claro que Suzana não podia simplesmente aceitar. Avisou as amigas que ia de qualquer jeito. Arrumou dinheiro, com lençol velho fez uma corda conhecida como Teresa. Arrumou a mochila, testou a corda e passou pela pequena janela do Sótão onde dormia. Estava tudo certo. Era esperar a mãe dormir e se mandar pra rodoviária rumo a Caiobá. Chegou a noite. Em seu diário (queimado alguns anos depois) foi registrando todos os seus passos para a grande aventura. Mas Suzana tinha um mau humor diário que começava lá pelas oito da noite. Sempre. Então preferia ligar o som, ficar quietinha no seu canto, com um bom livro até passar. Junto com o mau humor, naquela noite bateu um remorso antecipado. Teve dó da mãe. Não podia fugir, não era certo, não era justo. Suzana era assim, doida quando podia, responsável quando deveria. Não se arrependeu de não ter ido. Melhor assim, pensou, e correu fechar a janela.

A moto de Suzana

    A vida de Suzana não era nada fácil, tinha as bebedeiras do padrasto, as intermináveis  brigas em casa, e as dores de cabeça que faziam Suzana enlouquecer, nunca havia passado pela cabeça de Suzana que essas dores eram causadas pelo alto grau de miopia, sem correção.Mas existiam momentos em que a complicada vida de Suzana virava um conto de fadas.Era nos fins de semana, férias e feriados em que podia ir para casa do avô, seu grande herói.O avô era o homem mais inteligente que conhecia, já tinha lido milhões de livros a mais que Suzana, coisa não muito comum, porque Suzana era uma devoradora de livros.O avô tinha se aposentado ainda muito novo, comprou um camping no litoral e levava uma vida cheia de aventuras.Lá, Suzana era a pessoa mais livre do mundo, tinha até "casa própria", porque não dormia na casa do avô e sim no trailler estacionado ao lado.Como os fundos da casa era o mar, podiam a qualquer momento sair de barco, conhecer as ilhas, ou apenas mergulhar.Quando o avô não podia por qualquer motivo sair com um dos barcos, Suzana pegava o caiaque e remava até ficar cansada.Mas a maior paixão de Suzana não era o mar.Era uma moto.Aprendeu a pilotar praticamente sozinha, o avô tinha falado que ela podia dar voltas pelo camping até aprender bem, e quando provasse saber pilotar, poderia ir para rua.Então Suzana lavava a moto, passava cera, e dava voltas e mais voltas no gramado.Um dia o avô permitiu que Suzana saísse sozinha, era o grande momento que Suzana, em seus treze anos, achava ser o melhor de sua vida.
     Não muito longe dali, havia uma pequena praia, quase desconhecida, depois de uma trilha deserta feita pelos padres Jesuítas, cercada por lendas de grandes tesouros enterrados.Aquele era o paraíso de Suzana.Parava a moto e mergulhava  na água quentinha, passava horas e horas sozinha, as vezes na companhia  
de um bom livro.E assim passava os dias sem lembrar do colégio, da família, de nada.Seu mundo era apenas a moto e aquela praia quase particular.Uma tarde, parou a moto, estendeu uma toalha no chão e ficou a contemplar a pequena ilha em frente.Já havia tentado muitas vezes nadar até lá, porém a distância no mar engana, a ilha que tão perto parecia, a nado era impossível de alcançar.Foi quando percebeu que não estava sozinha, virou-se rapidamente e viu um desconhecido.Pela aparência tinha certeza que era um nativo, olhos amendoados, pele bronzeada e braços fortes, com músculos definidos pela constante lida das redes.Devia ter algo em torno de vinte anos e era tão simpático que logo passaram a conversar e o assunto principal não podia ser outro além da pequena ilha.Então ele fez a proposta.Poderiam se encontrar na tarde seguinte ali na praia, ele levaria sua canoa e atravessariam para ilha, porém Suzana não poderia comentar com ninguém sobre a conversa dos dois.Assim combinaram, Suzana montou na moto e voltou para o camping do avô.Naquela noite, nem dormiu, aquela ilha representava muito para ela...mas jamais voltou a prainha, perdeu seu paraíso.Lá nunca mais teria a segurança de sentir-se livre e protegida pela natureza, porque podia ser criança, mas não era ingenua não.

Desirée C. Veloso 23/05/12.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Entenda a tempo

Pulei no tempo
Dancei  pelo  movimento
Criei teu invento
Sem tormento
Dormi ao relento
Desperdício ou contratempo
Escrever ao vento!

Escrito por Desirée de Souza Cavallin em 18/07/1989