quarta-feira, 23 de maio de 2012

Já está tudo planejado, vou pular a Janela!

   Houve um tempo em que o Rock Nacional era a melhor coisa do mundo, não sei dizer o ano exato, mas isso realmente aconteceu entre os anos 80 e 90.Tudo de bom tocava nas rádios, era Legião Urbana, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Ultraje a Rigor... Tantas bandas que levavam a pobre Suzana a loucura cada vez que ficava sabendo de um show. Mas para ir, não era fácil não. Primeiro não tinha dinheiro, segundo que a mãe era osso duro de roer. Então passava as tardes tentando ganhar um ingresso nas rádios, ou cuidando do bebê da vizinha pra ganhar alguns trocados, as vezes voltava a pé do colégio, só para economizar o dinheiro do ônibus. Com o ingresso na mão era mais fácil convencer  a mãe. Só que desta vez os Shows seriam no litoral, eram várias bandas que Suzana amava, todo mundo ia, todas as amigas de Suzana. A mãe disse não. NÃO. Não vai. Sem motivo. Apenas não. Claro que Suzana não podia simplesmente aceitar. Avisou as amigas que ia de qualquer jeito. Arrumou dinheiro, com lençol velho fez uma corda conhecida como Teresa. Arrumou a mochila, testou a corda e passou pela pequena janela do Sótão onde dormia. Estava tudo certo. Era esperar a mãe dormir e se mandar pra rodoviária rumo a Caiobá. Chegou a noite. Em seu diário (queimado alguns anos depois) foi registrando todos os seus passos para a grande aventura. Mas Suzana tinha um mau humor diário que começava lá pelas oito da noite. Sempre. Então preferia ligar o som, ficar quietinha no seu canto, com um bom livro até passar. Junto com o mau humor, naquela noite bateu um remorso antecipado. Teve dó da mãe. Não podia fugir, não era certo, não era justo. Suzana era assim, doida quando podia, responsável quando deveria. Não se arrependeu de não ter ido. Melhor assim, pensou, e correu fechar a janela.

A moto de Suzana

    A vida de Suzana não era nada fácil, tinha as bebedeiras do padrasto, as intermináveis  brigas em casa, e as dores de cabeça que faziam Suzana enlouquecer, nunca havia passado pela cabeça de Suzana que essas dores eram causadas pelo alto grau de miopia, sem correção.Mas existiam momentos em que a complicada vida de Suzana virava um conto de fadas.Era nos fins de semana, férias e feriados em que podia ir para casa do avô, seu grande herói.O avô era o homem mais inteligente que conhecia, já tinha lido milhões de livros a mais que Suzana, coisa não muito comum, porque Suzana era uma devoradora de livros.O avô tinha se aposentado ainda muito novo, comprou um camping no litoral e levava uma vida cheia de aventuras.Lá, Suzana era a pessoa mais livre do mundo, tinha até "casa própria", porque não dormia na casa do avô e sim no trailler estacionado ao lado.Como os fundos da casa era o mar, podiam a qualquer momento sair de barco, conhecer as ilhas, ou apenas mergulhar.Quando o avô não podia por qualquer motivo sair com um dos barcos, Suzana pegava o caiaque e remava até ficar cansada.Mas a maior paixão de Suzana não era o mar.Era uma moto.Aprendeu a pilotar praticamente sozinha, o avô tinha falado que ela podia dar voltas pelo camping até aprender bem, e quando provasse saber pilotar, poderia ir para rua.Então Suzana lavava a moto, passava cera, e dava voltas e mais voltas no gramado.Um dia o avô permitiu que Suzana saísse sozinha, era o grande momento que Suzana, em seus treze anos, achava ser o melhor de sua vida.
     Não muito longe dali, havia uma pequena praia, quase desconhecida, depois de uma trilha deserta feita pelos padres Jesuítas, cercada por lendas de grandes tesouros enterrados.Aquele era o paraíso de Suzana.Parava a moto e mergulhava  na água quentinha, passava horas e horas sozinha, as vezes na companhia  
de um bom livro.E assim passava os dias sem lembrar do colégio, da família, de nada.Seu mundo era apenas a moto e aquela praia quase particular.Uma tarde, parou a moto, estendeu uma toalha no chão e ficou a contemplar a pequena ilha em frente.Já havia tentado muitas vezes nadar até lá, porém a distância no mar engana, a ilha que tão perto parecia, a nado era impossível de alcançar.Foi quando percebeu que não estava sozinha, virou-se rapidamente e viu um desconhecido.Pela aparência tinha certeza que era um nativo, olhos amendoados, pele bronzeada e braços fortes, com músculos definidos pela constante lida das redes.Devia ter algo em torno de vinte anos e era tão simpático que logo passaram a conversar e o assunto principal não podia ser outro além da pequena ilha.Então ele fez a proposta.Poderiam se encontrar na tarde seguinte ali na praia, ele levaria sua canoa e atravessariam para ilha, porém Suzana não poderia comentar com ninguém sobre a conversa dos dois.Assim combinaram, Suzana montou na moto e voltou para o camping do avô.Naquela noite, nem dormiu, aquela ilha representava muito para ela...mas jamais voltou a prainha, perdeu seu paraíso.Lá nunca mais teria a segurança de sentir-se livre e protegida pela natureza, porque podia ser criança, mas não era ingenua não.

Desirée C. Veloso 23/05/12.