quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A filha do Roberval

      Isto já faz muito tempo, só sei que foi antipatia a primeira vista. Ela me irritava e me lembrava as quengas do apartamento de cima, eu odiava elas, e era reciproco. E foi difícil me livrar, mas no fundo eu sabia, eu estava no meu território e elas e que deveriam sumir. Deu trabalho. Muita oração das amigas evangélicas, uma ajudinha do pessoal da D.P. e bem, dizem as más línguas que o que pesou mesmo foi a morte do Japonês. Caramba, mais uma frase louca dessas e quem já não entende nada sou eu....vou recomeçar...Eu sou do tipo que amo ou odeio. Ponto. Não existe meio termo. Sou a pessoa mais criativa do mundo quando amo...mas se estou com raiva, muita raiva, daí sou sensacional! Ninguém chega aos meus pés. E peguei muita raiva de umas "garotas da vida" que resolveram morar e "trabalhar" no apartamento de cima. Tudo bem, problema delas seria se as festas não começassem todos os dias depois das dez, e se elas não tivessem o vício de dar "por engano" o número do meu apartamento para seus clientes...e, eu, trabalhadora de dia, universitária a noite e nutriz de madrugada...aturando os saltos batendo nos tacos, o som alto e os palavrões. Então, primeiro vieram as amigas evangélicas aqui e oraram muito, depois fui na delegacia, fiz B.O. e termo circunstanciado por perturbação. Daí, um japonês pulou da janela do corredor do meu andar...e misteriosamente, de madrugada elas arrumaram a mudança e sumiram do mapa! Deixando para trás seis meses de condomínio e aluguel pago. Neste dia, quem começou a rezar fui eu. Pedi tanto, que para o apartamento de cima e para o do lado, mudaram dois casais de velhinhos. Gente boa, da melhor espécie. Venci. Ponto final agora.
      Então, voltamos á primeira linha, eu dizia que a antipatia que eu tinha dela era semelhante a que eu tinha das quengas do apartamento de cima. Por que? Já não falei que era gratuita? Quer dizer, mais ou menos, ela me olhava daquele jeito antipático e no tempo em que eu ainda curtia passarinhos azuis, tinha ela entre os que eu seguia e me seguiam. Era tão burra que andou falando de mim, e para boa entendedora meia twittada basta. Excluí, bloquei, mas também pensei numa vingança, tinha que ser algo muito diferente, eu podia transformar ela em personagem e matá-la, putz, isto já perdeu toda a graça! Mas ainda me restava a comédia...
       Ela era filha do Roberval, uma solteirona típica. Ainda morava com o pai e com a mãe, por puro comodismo, não tinha nascido pra cuidar de uma casa, então viver com a mãe era tudo de bom. Não era nenhuma velha, tinha por volta dos trinta e cinco, mas era tão chata, tão chata que nem Roberval de porre a aturava. Também era muito azarada. Naquela tarde chuvosa, correu para pegar o ônibus, (coisa brega essa de correr para pegar o ônibus!) O motorista acelerou, como eu, ele também não ia com a cara dela, passou em cima de uma poça e jogou toda aquela lamaceira direto na roupinha branca dela. Ah, esqueci de dizer, ela era enfermeira de um hospital público aqui de Curitiba. Era chefe, então achava-se a tal, mesmo sendo mal paga para fingir que trabalhava num hospital sucateado que fingia que atendia pobres sofredores cadastrados no SUS.
        Pegou o próximo ônibus. Lotadérrimo. Mas, mal-educada que era, sentou num banco amarelo destinado a idosos, gestantes e deficientes. Ah, agora são para obesos também, mas de gorda ela só tinha a barriga e a bunda flácida...mas isso era só feiura mesmo. Uma senhora que queria muito sentar, fincou-se do lado dela e começou a bater o cabo do guarda-chuva no chão. Coisa irritante. Atrás dela, sentou um funkeiro. Som no máximo. E um chulé....Todas as janelas cerradas. Acho que o chulé impregnou-se na roupa molhada. Chegou no trabalho, molhada, suja, descabelada, fedendo e atrasada. Que chato, bem no dia que teria reunião com o médico bonitão. E ele passou por ela fazendo cara de nojo. Como eu sei?  Esqueceu que ela é filha do Roberval? Eu tinha ido visitar meu amigo Roberval, bem na hora que ela ligou para ele, e ela fala tão alto que escutei tudo. Então pedi para falar com ela, tão boazinha que sou, resolvi ajudar a melhorar o astral...toda gentil, aconselhei ela comprar um carro, ops, como fui esquecer que ela reprovou oito vezes e não conseguiu tirar a carteira? Foi mal. Depois contei que encontrei com a Roseli, aquela que casou com o ex-noivo dela. Para de chorar menina, ele nunca gostou de você, mesmo! Foi o que falei para ela, na maior das boas intenções.
        Tá bom, exagerei.

sábado, 18 de agosto de 2012

Desejo 05

Quero te beijar
minha voz 
em teu corpo calar

Volúpia correndo
em corpos
gemendo

Pelo simples prazer
em um toque
teu corpo reconhecer

Eterna apaixonada
Carente louca ao te ver
Sóbria embriagada

Contradições
nada importa
apenas corpos
e corações


Desirée Cavallin em 08/08/89 21:27

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Lua toda Nua

      O nome dela era Lua. Talvez por isso fosse tão inconstante, tão cheia de fases. Em sua face rosada, um quê de misterioso. Não era tão nova que pudessem lhe chamar de menina, nem tão cheia que fosse gordinha, nem tão triste que fosse minguante, nem tão alta que fosse crescente. Estava despida, e assim tão aparente, que podia se esconder de qualquer um. Porque estava lá, sempre, então por vezes era despercebida.
       Era tão inatingível que muitos olhavam para ela como lobos apaixonados. Entre uivos e gemidos, lá ficava ela, meio sem ação, só observando e tirando suas próprias conclusões. Sabia como e sabia ser, não tinha inveja das amigas estrelas e as vezes até dava uma olhadinha de canto para algum cometa, a incandescência deles a atraia, mas disfarçava bem, não era moça para tais indecências.
      Se um dia pudesse escolher, não teria nenhuma dúvida. Continuaria lá em cima, do alto de sua realeza, sonhando e sendo sonhada no azul do céu. Só que as vezes a solidão apertava e ela sentia-se nua, por demonstrar esta solidão. Tinha lá seu lado negro, é verdade. Mas quem não trava batalhas com o mais escondido de si?
       Então curtia sua própria mágica, as vezes orgulhosa, as vezes cabisbaixa. Sumia de dia, retornava a noite. Se tinha frio, se cobria de nuvens e esperava o frio passar. Não importava se sua altivez parecesse antipática. Era prisioneira de sua própria soberba.

domingo, 12 de agosto de 2012

O Vampiro das Brumas - parte 01

     Brumas. As duas adolescentes quase nada podiam ver enquanto subiam o morro em direção ao colégio. Já estavam acostumadas, porém uma delas tinha a mente tão turva quanto a névoa baixa. Pensava no bilhetinho que alguém tinha colocado em sua mochila na hora do recreio. Em tinta vermelha estava escrito: Você vai morrer! Podia até se tratar de alguma brincadeira, porém a menina não conseguia parar de pensar nisso:
- Você acha que eu deveria procurar a Pedagoga e contar, Brenda?
- Não sei, Amanda. Pode ser brincadeira de quem não tem o que fazer, talvez não seja uma ameaça real, mas você sabe que se procurar, ela vai te ouvir e vai te ajudar...sempre foi assim.
- Vou esperar. Se não mandarem mais nada, deixo quieto.
     Neste momento sentiram um ar gelado, Brenda ficou toda arrepiada. Alexandre, um garoto novo do colégio, passou por elas, ele era pálido, diferente, com um ar arrogante. Isto irritava Brenda só de olhar para ele. Passou por elas e nem um oi falou.. Por cima do uniforme, usava um sobretudo preto. Sim provavelmente ele queria fazer tipo e aparecer.
     As meninas entraram no colégio e antes de ir para sala de aula, passaram na biblioteca. As duas adoravam ler. Nunca ficavam sem um bom livro, liam de tudo, mas principalmente amavam toda e qualquer história de Vampiro. A madrasta de Amanda não gostava que ela se dedicasse a este tipo de literatura, queria que a atenção da menina fosse toda destinada aos conteúdos do colégio. Tinha lá suas razões. Então, Amanda aproveitava para ler nas aulas vagas e no intervalo.
      O professor de educação física tinha faltado, a turma ficou jogando nas quadras, e Amanda e Brenda aproveitaram para ler seus livros, sentadas na cantina. Quando estavam completamente entretidas na leitura, Alexandre veio e sentou ao lado delas:
- Livros sobre vampiros? Este assunto muito me interessa! Apesar de pouca verdade haver nos livros, alguma coisa se aproveita.
- Você gosta de ler?
- Um pouco, prefiro assistir bons filmes, já li demais, perdeu o encanto.
      Amanda até que achou ele bonitinho, mas Brenda odiou ele, não que ele tivesse feito ou falado algo demais. Ele a irritava e a assustava.Tentava voltar a leitura quando ouviram o grito. Vinha da sala delas, então correram para lá. Uma menina da turma estava caída no chão. Gelada e inconsciente. No quadro negro, uma frase de efeito: Você também vai morrer!


Continua em: O Vampiro das Brumas  -  parte 02
Escrito a pedido de Anne Kethellin e Bruna Luz, com um pedido de desculpas pela demora!

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Porque ninguém escutou.

Sorriu porque não tinha lágrimas
Calou porque não tinha voz
Pulou porque não tinha corda

Abafou porque não tinha grito
Correu porque não tinha chão
Tentou porque não tinha medo

Falou e ninguém escutou
Jurou e ninguém duvidou
Desistiu e ninguém notou

Contou porque não tinha lágrimas
Parou porque não tinha chão
Desistiu e ninguém escutou



Desiveloso em 06/08/2012    18:39

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Brasa coberta com cinzas.

     " Acredito que amor é para sempre, não existe meia volta. Um dia ele aparece, e pode ser bem guardado, a sete chaves por uma vida toda...mas não estará apagado, será brasa coberta com cinzas."

       Rafaela é prima de Suzana. Quando tinha catorze anos achava que a vida era muito leve, tão leve que poderia voar. Foi num Baile do Colégio Militar, realizado num clube tradicional de Curitiba que o inesperado aconteceu. Estavam todos lá, todos os queridos amigos que cresceram juntos no condomínio onde Rafaela morava. Tiago, que era apenas mais um desses amigos, surpreendeu a menina com um beijo, que ela retribuiu sem perceber que com ele iniciava o primeiro amor de sua vida.                 Que estavam apaixonados, todo mundo já sabia, que cada vez que se encontravam ficavam juntos, todo mundo podia ver...mas ainda tinham tão pouca idade, e ele não queria namorar.
      Só que Rafaela queria mais, queria poder ficar com ele sempre, então aproveitando um encontro casual, em frente a panificadora do bairro, chamou o menino para conversar:
- Não posso mais viver esta situação que me deixa indignada! Eu gosto muito de você e quero ficar com você, dói muito saber que você não quer ficar comigo, se não é para ficarmos juntos de verdade, então não quero mais!
       Ele tinha lágrimas nos olhos quando respondeu para Rafaela:
- Eu sou muito novo e não quero namorar...gosto muito de você mas namorar...não dá! Eu quero continuar a ficar com você, vamos esperar mais um pouco e ver no que dá.
       Como o sentimento dos dois era muito grande, continuaram a ficar juntos, sempre que podiam. Era muito bom, era mágico e bonito de viver. Por dois anos Rafaela viveu assim, não ficava com ninguém, somente com ele, não podia correr o risco de perder Tiago. Só que aquela noite, num churrasco do condomínio, uma menina se aproximou dele e o beijou. Para o espanto de todos, ele começou a namorar a menina. Ele não foi "roubado" só de Rafaela. A menina o tirou do convívio de todos os amigos, e todos eles se revoltavam e não conseguiam entender porque ele ficava com esta menina, se amava Rafaela e Rafaela o amava. Foi aí que Rafaela se deu conta que a vida não era tão leve assim. Ninguém gostava daquela situação, e numa festa, uma das amigas tomou coragem e falou na cara da namorada de Tiago:
- Você roubou o namorado dela!
Rafaela, entrou no meio e vendo que ele assistia tudo muito chateado falou:
- Se ele quer ficar com ela, é escolha dele, não vou me meter nesta história!
      Depois em particular, Rafaela abriu seu coração para Tiago:
- Não fique brabo com nossa amiga, ela só estava tentando me defender, fique brabo comigo se for o caso. Se você quer ficar com sua namorada, respeito sua decisão, mas quero que saiba que nunca ninguém vai te amar como eu te amo! Você ainda gosta  de mim?
- Sempre que estou com ela, penso em você!
      Por mais que fosse difícil ver os dois juntos, Rafaela pensava que pelo menos assim poderia viver sua vida. Com outra pessoa, Rafaela decidiu construir seu futuro, e no dia em que foi na paróquia marcar seu casamento descobriu que Tiago também estava de casamento marcado, com aquela mesma menina...
      Alguns meses depois, Rafaela teve um sonho, tão real que chegou a ficar assustada. No sonho, conversava com a agora esposa de Tiago e soube que eles tinham uma filha. Quando acordou, foi até o centro da cidade, encontrou com uma amiga em comum, e contou sobre o sonho que tinha tido. A amiga ficou impressionada e respondeu:
- Eles realmente tem uma filha, a Beatriz nasceu ontem!
      O que Rafaela e Tiago sentiam um pelo outro era realmente algo muito forte, por mais longe que estejam, Rafaela sabe que de alguma forma ainda existe uma ligação inexplicável. Parece que seguiram juntos por caminhos separados. Se um dia ainda irão se reencontrar, somente o destino poderá dizer...


Com todo meu carinho, para Renata Kovalski.