sábado, 29 de novembro de 2014

Bem que se quis

1980
      Elvis era tudo o que ela podia desejar, mais do que isso, podia se ver no reflexo dele. Era tudo o que o pai não deixava ela ser, de um angulo masculino. O pai era militar. Acostumado a mandar. A ela cabia obedecer. Beatriz achou que morreria com tanto amor. Amor correspondido...Porém proibido. Dez anos depois, conheceu Paulo. Casaram-se e tiveram um filho.
      Elvis perdeu a cabeça. Bebeu muito. Fumou e cheirou tudo o que pode conseguir. Dessas loucuras gerou um filho. Mas a menina, nova demais pra ser mãe, inconsequente demais, perdeu-se no mundo. Ele ficou com o menino pra criar. Pôs a cabeça no lugar. Sempre foi boa pessoa. O menino teria um pai.Terminou a faculdade, foi trabalhar. No trabalho conheceu Helena. Helena encantou-se pelo menino. Amou como se fosse seu próprio filho. Casou com Elvis e deu ao menino duas irmãs.
      Apesar de ser boa mãe, Helena vivia para seu trabalho. Elvis aprendeu a amá-la. Porém sempre sentiu um grande vazio. Beatriz sempre aparecia nos seus sonhos. Jamais a esqueceria.

2012

      Beatriz nem mais suportava olhar para Paulo. Tudo piorou muito quando o filho dos dois tornou-se um viciado. Trocavam acusações o tempo todo. Então Beatriz descobriu que Paulo tinha uma amante. Aquele relacionamento já estava falido. Existiam mágoas, acusações...O melhor seria o divórcio, mas com o garoto em tratamento, tinham medo de ainda piorar a situação. Então continuavam sobre o mesmo teto.
   
      Elvis amava Helena, mas ela não era uma pessoa carinhosa. Ao contrário, sempre distante, sempre pensando no trabalho. Quando estavam juntos, brigavam o tempo todo. Porque ele queria uma atenção que ela não estava disposta a dar, e ela queria um espaço que ele jamais entenderia.
   
      Cristine decorou a cobertura, numa rede social conseguiu encontrar quase todos os amigos de colégio, faria uma grande festa em volta da piscina. Não é todos os dias que se completa cinquenta anos.
      Engraçado como mesmo envelhecidas as pessoas conseguem se reconhecer e esquecer o tempo que ficaram distantes. Foi uma grande festa. Muita gente ali não se via a quase trinta anos. Elvis parecia um moleque, lembrando de piadinhas, de arte que aprontavam com os professores, até que a entrada de uma mulher o fez emudecer. Era ela. Beatriz. Linda como se o tempo nunca houvesse passado.
       Parece que toda a química, todo o amor que um dia sentiram voltou naquele mesmo momento. Era inacreditável, mas a música deles começou a tocar. Elvis se aproximou e começaram a dançar. Não falaram nada. Mas Beatriz chorava. Eram novamente dois adolescentes. E se amavam. Como na verdade nunca deixaram de se amar.
      Mas Elvis continuava casado. Parecia loucura. Amava Beatriz. Mas não havia deixado de amar nem em um só momento Helena. Não sabia o que fazer. Estava desesperado. Tinha apenas Cristine como amiga e confidente. Para Cristine, era tudo muito simples. A princípio ele pensou que o conselho dela era brincadeira. Depois procurou Beatriz. Tantos anos esperando por seu amor, Beatriz aceitou. Sentiu o pai tão machista, não estar mais lá para ver o que estava para acontecer. Helena se assustou. Nunca havia pensado numa possibilidade daquelas. Mas, com certeza, assim teria um pouco de paz, Elvis largaria de seu pé. Poderia trabalhar sem cobranças por sua ausência.
       Depois de visitar o filho na chácara evangélica onde ele estava internado, Beatriz se despediu de Paulo. Colocou as malas no porta malas do carro. Mudou-se para casa de Elvis. Descobriu que poliamor não era tão incomum assim. Gostava de pela primeira vez não ter que seguir regras. E foram muito felizes, num amor a três.

http://www.vagalume.com.br/marisa-monte/bem-que-se-quis.html