domingo, 25 de outubro de 2015

*DOCE VINGANÇA DE DONA COISA E SUA AMIGA DONA POLACA (auto/cordel em vários atos) Maria Lorenci


Sujeito era esperto.
Durante anos namorou Dona Coisa direitinho, sem que ela desconfiasse de nada...
Era muito esperto.
Durante anos foi casado com Dona Polaca, e ela pensando que ele era o mais fiel dos maridos...
Era espertíssimo.
Durante anos ciscou por onde pôde, comendo uma que outra incauta nos intervalos...
E era apaixonado, criativo, fascinante. Um amante perfeito. Não era canastrão. Amava verdadeiramente aquelas mulheres. Todas ao mesmo tempo. Era muito generoso em seu amor.
A cada uma, seu quinhão:
Com Dona Polaca, a tranqüilidade da família, a roupa bem lavada, o capricho na comida. O respeito dos vizinhos. O cuidado com a família dele: mãe, irmã, pai. Pouco sexo, do ruim. Pouca conversa, só o necessário. Sem beijos. Secura pra litros de lubrificante...
Mas por que se preocupar, esperto que era?
Quando sentia necessidade de amor carnal, fazia a tradicional cara de coitadão e choramingava uns eus te amos no ouvido de Dona Coisa, a qual, como boa namorada, abria-se em beijos eternos e orgasmos espetaculares, ouvia suas insônias e partia, feminista que era. Sem ciúmes, sem deérres, sem crises.
Cara, a vida era boa.
Lar, sexo, emoções. Tinha segurança, companheirismo, futilidades.
Pra que morrer, né?
Só que morreu.
Teve um peripaque que o fulminou no meio da piscina do clube, onde nadava religiosamente todos os dias das sete ás nove. ( quando não estava ocupado mentindo pra alguém )
Avisaram Dona Polaca, a titular.
Ficou entre pasma e triste, mas achou melhor partir pra ação, prática que era.
Passou a mão no telefone e falou calmamente;
" Coisa, é a Polaca. O Sujeito morreu. chama teu primo e vem pra cá."
Dona Coisa desligou o telefone e fez outra ligação, lágrimas correndo pelos seios fartos.
"Marco, é a Coisa. Polaca te quer, Sujeito morreu".
Lá se foi o primo, agente funerário. Homem tranquilo, caladão, lindo de doer.
Enquanto isso, Coisa juntou o povo.
Chamou a ultima incauta, a outra que tinha fingido ter um bebê, as duas que dormiam juntas o tempo todo e de vez em quando fingiam se divertir com ele.
Lá se foram todas pro Agua Verde.
Chegando lá, foram direitinho cumprimentar a viúva, um beijo no rosto, um abraço apertado, olhares úmidos. Todas se conheciam muito bem. Algumas bem até demais...
E Polaca a receber as homenagens, enroscada no Marco, devorando com os olhos o italianão.
E Coisa a organizar a festa, recebendo o povo do boteco, os colegas dos dois no trabalho, a família que vinha de Sampa.
Olhando cúmplice pra Polaca, sorria de soslaio daquele jeito pisciano lá dela...
Ao anoitecer os estranhos foram se mandando, que ninguém mais acha graça em ficar preso em cemitério bebendo nenhum morto, não.
Depois, quem esperou algum escândalo ou briga de mulheres, se decepcionou. Nenhum espetáculo pras Matildes. Saco.
Ficaram sozinhas, as Donas. Marco quis bancar o discreto, mas a Polaca não deixou- "hoje tem jogo, meu bem- acabou a correria. Hoje tu vai pra casa comigo".
Olhando pela ultima vez pra cara de safado do Sujeito, ali tão vulnerável, Dona Coisa lembrou, divertida, do dia em que uma ligação vinda da casa dele quando ela estava no trabalho a assustou.
Do outro lado a voz firme da Polaca: "quero falar com você; toma um café comigo?"
Foi.
Pra sua surpresa, Polaca disse que dava graças a Deus pelo caso deles, que a deixava livre de ter de fazer sexo com o Sujeito, que vivia sugerindo coisas que ela detestava…
Resumo da opera: Polaca não tinha nada de frigida, como ele contava pra quem quisesse ouvir. Apenas não gostava de fazer sexo COM ELE. Mas o resto funcionava: estavam prosperando, ela tinha o respeito da família, e no fim das contas, Dona Coisa seria uma boa aliada. Conversaram mais um pouco, saíram dali boas amigas.
Para Polaca , Dona Coisa trouxe o primo Marco de presente-catolicão travado, fazia as coisas do jeito dela. Marco tinha sido a razão da secura apresentada ao Sujeito por tanto tempo. Não era secura.
Era um enorme
cansaço, que acabava por empurrar o Sujeito pras tardes tórridas de que Dona Coisa tanto gostava, a fazer alegremente tudo o que não fazia em casa.
E aí vieram as outras, aprovadas e consentidas. Cada uma tinha um apetite, e a cada uma, Sujeito se esforçava pra corresponder.
E achava que pegava todo mundo.
E achava que era muito esperto.
E morreu pensando isso.
O que elas todas não sabiam, é que ao Sujeito foi permitido dar uma olhada no próprio velório.
E que ali, sentado num canto, ele se espantava : "usado, traído, enganado, como assim?"
Percebia que as saídas da Polaca pra Novena nunca chegaram no Alto da Glória. Paravam ali num hotelzinho barato no centro da City. Com o tal de Marco. Que ele nunca desconfiou que existia.
Percebia que as que ele se orgulhava de ter pegado na macheza, na verdade estavam a serviço da Dona Coisa, a acobertar a Dona Polaca.
" Falar nisso, de onde essas duas se conheceram? Como haviam se entendido? Peraí: o amante da esposa era primo da namorada? Ahnnnn? Sério mesmo? Pode isso, Arnaldo? PELAS BARBAS DE KARL MARX!"
Mas um consolo o pobre recém-desencarnado tinha: Dona Coisa não tinha outro. Seus orgasmos eram verdadeiros, e só dele.
Ficou por ali, se despedindo, e quando Dona Coisa saiu da capela, lá pela madrugada, foi atrás, a ver se era possivel tocá-la, dar um ultimo arrepio naquele pescoço onde fora tatuado o Papa Léguas...
Ela parou perto de uma estátua, mexendo no cabelo, espreguiçando, se movendo como fazia ao se vestir, depois de arrasar com ele. Sujeito foi chegando perto…
Um barulho, um Gringo enorme com cabelos de viking parou a Harley, ergueu Dona Coisa com um dos braços à garupa, ela aconchegada ás largas costas, beijou a tatuagem de Coiote no pescoço dele.
(" ei, peraí, Coiote era eu !" - pois é, my friend- nunca fora. E agora, já era - quem mandou morrer?")
Pegaram a estrada, no rumo da praia. Vruuuuum e byby. Nem pro enterro ela ficou.
Algum anjo torto sussurrou no ouvido de Sujeito que foi Polaca a responsável pelo encontro de Coisa com o Gringo, e que uma acobertava a outra; o Marco e o Gringo se divertindo muito mais que ele. E que até a festinha do pijama que ele sempre pedira , sem conseguir, tinha rolado, animada, os quatro rindo juntos no mesmo dia em que ele tentou ( em vão...) comer a colega de trabalho chata e burra que teve o desplante de reclamar que ele era muito pequeno...
O Sujeito-Espírito chorou. Nunca pensou que traição doesse tanto.
Estava ali no chororô, quando a Luz apareceu: era hora.
Pensou: "vou me queixar a Deus , que há de enviar um cataclisma qualquer a punir toda esta iniqüidade e desobediência...."
Pé ante pé, atravessou a Passagem entre os mundos. Direto no rumo do céu, pois se acreditava um bom homem...
E foi se convencendo que haveria vingança...
Automáticas, se abriram as portas como as do Shopping Center...
E lá veio Deus a recebê-lo.
Quis correr, mas não soube como... Um medo pânico o invadiu.
Ali, bem na sua frente, muito séria, fazendo muxoxo, com os braços cruzados sobre o par de peitos mais bonito que já vira, lá estava Deus: A IVETE SANGALO!!!
A ultima coisa que ouviu, antes de ser atirado ao Inferno, foi um coro de anjas cantando aquele samba/axé: "cachorro, safado, sem vergonha..."
Foi caindo e pensando: se Deus é mulher, o Diabo deve ser homem. Com sorte, Corintiano."
( isso lhe seja concedido: o cara era cheio de esperança...)
Caiu no colo de um demonão estilo MMA, levou uns sopapos e já foi aos trancos sendo conduzido ao Líder.
Jogado aos pés do djanho, descobriu que não podia estar mais frito.
Pois o diabo, meu querido... o diabo, todo trabalhado no couro preto, cercado de uns vinte bofes marrentos com os mais variados chicotes e mordaças e alicates e punhais... o diabo...
Era ...
A Madonna!
( fecha o pano ao som de "Vogue" e dos gritos desesperados do Sujeito...)


Publicado com autorização da autora Maria Lorenci a quem agradeço em meu nome e em nome da 
Delegada Suzana! 

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Tudo pode acontecer - parte 02

- Que vergonha, Suzana! Uma mulher com mais de quarenta com medo de tempestade e de uma lâmpada quebrada!
Suzana trocou a lâmpada, limpou os cacos. Preparou um banho bem quente na velha banheira. Estava de volta em Curitiba. Após um período trabalhando em Foz do Iguaçu pediu transferência.  Gostava de estar na sua cidade, embora odiasse o frio. E também não achava justo deixar toda a responsabilidade da empresa de segurança nas mãos de Gutierrez.
Deitou. Fechou os olhos. Precisava daquele "carinho " da água tocando seu corpo. Sentia-se só.  Não triste. Apenas só. Como se nada ou ninguém jamais tivesse como transpor aquele mundo só seu. Às vezes sentia vontade de voltar ao tempo em que fazia planos, junto com a amiga Ana, na varanda de uma casa que nem existe mais.
- Nenhum daqueles planos deram certo, talvez por este motivo não acredito mais em fazer planos...
Deixou os pensamentos desaparecerem. Acabou adormecendo dentro da banheira.
Num instante já não estava no antigo apartamento.  Pilotava sua Cbx 750 em ruas escuras e desertas. Conhecia bem aquelas ruas, aquele bairro. Mas, um pavor tomou conta dela. Algo como uma sombra enorme parecia querer engolir a moto. Sentiu o coração disparado. Teve impressão de conhecer a voz que saía da sombra, chamando seu nome.

Continua

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Tudo pode acontecer -parte 01

Já havia passado tanto tempo do retorno de Ana, mas constantemente Suzana lembrava de tudo o que havia acontecido na vida da amiga. Esta seguia sua vida como se nada houvesse acontecido. Trabalhava no Jornal, estava até saindo com um carinha interessante, o Tiago. E Suzana naquela de ficar remoendo e lembrando os acontecidos. Pensava alto e respondia ela mesma aos seus comentários :
-Você precisa parar de pensar em coisas passadas, Suzana!
-Capricornianas!  Tudo precisa ser assim, como um fardo pesado? Tão mais leve é a Ana, tem suas explosões de escorpiana, mas passa, perdoa...Nem lembra... Bem na verdade, acho que ela é que tem razão! Aquilo que vi, foi apenas mais algumas ilusões, como tantas outras que tive no passado. Vampiros, outros mundos. Tudo ficção... E esse Victor nunca deve ter existido. Talvez uma fantasia da Ana. Por tudo o que passou tentando esquecer o Doutor.  E não é?  Agora ela está lá, feliz com sua vida de volta, com seu novo amor...E eu aqui, pensando em bobagens de adolescente que imagina coisas...Não.  Realmente toda aquela história deve ter alguma explicação lógica. ..
Neste momento, um relâmpago lá fora e uma explosão dentro do quarto. Tudo escureceu. Instintivamente Suzana sacou a Glock e colocou-se entre o armário e a parede.

Continua