sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Estrela de rua.

      A rua está muito escura. As lâmpadas dos postes quebradas. Ela porém não tem medo de nada. Ela é que deveria ser temida. Ajeitou o anel gigante sobre o dedo. Uma motocicleta passa em alta velocidade. Ela joga uma pedra, incomodada com o barulho. Gosta do silêncio. Gosta do escuro.
      Puxa uma tábua solta que deveria lacrar a entrada da casa abandonada. O que restou do chão, após o incêndio range a cada passo. Sabe que tudo pode desabar, mas apenas firma o chinelo nos pés encardidos. Num canto pega uma escada de madeira. Encaixa na abertura do sótão. Sobe e recolhe a escada. Põe a tampa. Num canto, cobertas amontoadas sob o papelão. Aquele mocó é dela. Apenas dela, nunca levou ninguém lá. Esta é sua segurança. Arruma as cobertas da melhor forma que pode. De dentro da calça, tira uma garrafinha de água com Tinner pela metade. De dentro da blusa tira um paninho. Molha o paninho no solvente, deita e coloca em frente a boca. Respira devagar. Vai relembrando a tarde que passou no parque de diversões. A cabeça coça. O nariz amortece. Respira com mais força. Podia morrer assim. Ninguém sentiria sua falta, ninguém choraria por ela. Talvez aquela educadora do abrigo, mas aquela chora por tudo. Ela mesma não lembra de ter chorado. Sempre foi menina de rua. E na rua é preciso ser forte. Seu nome do registro só era usado no abrigo, e na cadeia. Odeia seu nome. Na rua a conhecem por Estrela. Por causa do anel. E um pouco pelo nome do registro também, que é Estela.
       Estrela começa a correr pelo sótão. Ri sozinha. Vai até a janela, pensa em gritar. O pouco de sobriedade que ainda tem a adverte do perigo. Volta para as cobertas. Molha mais o paninho. Segura na boca. Com a outra mão acaricia a própria orelha. Dorme. Sono profundo. Sem sonhos, como sua própria vida.
     

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