O texto a seguir foi copiado e postado com autorização da autora, Clarissa Côrrea
Já
fugi de alguns lugares, pessoas e situações, mas nunca consegui fugir
de mim. Posso já ter me ausentado, ter dito ei-volta-amanhã, ter
trancado a porta, ter esquecido a chave do lado de dentro, ter deixado
as luzes apagadas, ter perdido a hora, ter desligado o despertador, ter
esquecido de esquecer, ter fingido um sono profundo ou uma preguiça
boba, mas nunca soube fazer as malas e ir embora da minha alma.
Ninguém vai resolver a minha vida, pagar as minhas contas, me colocar no
colo e dizer não-te-preocupa-que-vai-passar, me servir um chá com
biscoitos, deixar a casa em ordem e a mente equilibrada. Se eu não
arregaçar as mangas, der um suspiro fundo e andar para a frente a minha
vida vai ficar empacada. Até o fim do mundo.
Não vou negar que por
alguns momentos fiquei vendo momentos da minha vida passarem pela
janela. E eu ficava ali, observando, atônita, paralisada, sem coragem de
agarrar as oportunidades com determinação. Mas uma hora alguma coisa me
chacoalhou por dentro, me balançou, me fez abrir os olhos e entender
que tudo é passageiro. Hoje eu sou uma e amanhã posso ser outra. A gente
vai aprendendo com o tempo, os dias, as marés. E esse aprendizado vira
marca, vira tatuagem, vira história de vida.
Nunca quis que me
vissem como a pobre garotinha indefesa. Tenho muita força, garra,
vontade. Muitas vezes me perco no meio dessa teia de pensamentos,
sonhos, anseios. De vez em quando não sei o que fazer pra sossegar o
coração, aquietar a alma, tranquilizar a mente, que tanto me
desassossega. Então pareço perdida num labirinto interno e secreto,
tentando desesperadamente achar a saída mais próxima e me desfazer do
que atormenta e aflige.
Carrego no peito todos os sorrisos e
lágrimas que já distribuí. Levo na alma todos que me são fundamentais.
Trago comigo as boas lembranças e algumas marcas e cicatrizes que não se
desfazem com o passar do tempo. Sei que um dia tudo vai ficar mais
claro, mais tranquilo, mais cheio de harmonia. E torço para que todas as
pessoas consigam perceber que não importa o que elas façam ou da onde
elas venham, no fundo somos todos iguais. Querendo ou não.
Não parece a explicação perfeita do Mote, de Luís Vaz de Camões?
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