quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Outra vida

O calor quase a sufocava. Tudo parecia marrom naquelas paisagens. Antes de descer da condução, passou um pente pelos longos cabelos, desembaraçando no que foi possível. Fez o mesmo com a criança. Depois, com um lenço úmido limpou o rosto da menina, que pediu um pouco de água.
- Chegamos filha! Pegue nossas bolsas que eu desço com a menina.
A criança, que devia ter uns cinco anos, ao se ver no espaço livre do pátio, correu brincar com as outras crianças que ali estavam. As duas mulheres foram até o santuário. A menina podia ficar por ali mesmo. Era um mundo seguro, livre de toda e qualquer violência. Quase um mundo perfeito, onde a maldade não existia. A mulher mais nova sabia que nem todos os mundos eram assim. Ela conservava lembranças de outras vidas, em outros mundos e tempos, onde nem todas as pessoas eram boas. Pelo que entendia, os nascidos ali, almas velhas, já sofridas de outras encarnações  haviam evoluído ao ponto de viverem uns com os outros na mais perfeita harmonia.
Entraram na capela. Bancos simples de madeira eram ornamentados com almofadas bordadas a mão. Tudo ali era muito colorido e parecia ser presente dos que visitavam o santuário. Helena apertou a mão da mãe, que sorrindo a abençoou com uma oração. Não precisava temer. Só que não era medo. Estava ansiosa. Todas suas certezas haviam se dissipado na poeira da estrada. Aquela seria a primeira vez que o encontraria.
Ele entrou e todos se colocaram de pé. Usava um manto de tecido colorido e óculos escuros que antes de subir no pequeno altar, retirou. Era um objeto bastante necessário naqueles dias de sol forte.
Ela começou a chorar. Era ele. Não reconhecia aqueles olhos puxados, nem a pele escura avermelhada, muito menos seu cabelo preto. Mas sabia quem ele era. Ou o que representavam um para o outro.
- Helena, que bom que você está aqui! Te esperei por muito tempo!
Ela não estranhou ele a conhecer, muito menos saber seu nome naquela vida. Era um homem sábio, quase santo,com muitos poderes. Por isso, tantos o buscavam no santuário.
Ele realizou o culto, como fazia em todos os dias. Ao terminar, os presentes foram conversar ou agradecer, por curas ou milagres. A mãe dela também assim o fez. Depois saiu procurar a menina. Voltariam sem Helena para casa, naquele fim de tarde.
Quando todos os demais se retiraram, ele foi em direção a Helena e a abraçou fortemente como se nunca houvessem ficado separado. Nem sabia por quantas vidas estiveram longe um do outro.
Foram para casa dele, anexa à capela. Deitaram numa cama vermelha. Não eram dois amantes que se encontravam. Eram duas meias almas que por fim, se tornava uma só, na forma de um homem e uma mulher.

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Catedral

O deserto
Que atravessei
Ninguém me viu passar
Estranha e só
Nem pude ver
Que o céu é maior
Tentei dizer mas vi você
Tão longe de chegar
Mas perto de algum lugar

É deserto
Onde eu te encontrei
Você me viu passar
Correndo só
Nem pude ver
Que o tempo é maior
Olhei pra mim
Me vi assim
Tão perto de chegar
Onde você não está
No silêncio uma catedral
Um templo em mim
Onde eu possa ser imortal
Mas vai existir
Eu sei
Vai ter que existir
Vai resistir nosso lugar
Solidão
Quem pode evitar
Te encontro enfim
Meu coração é secular
Sonha e deságua
Dentro de mim
Amanhã devagar
Me diz
Como voltar

Se eu disser
Que foi por amor
Não vou mentir pra mim
Se eu disser
Deixa pra depois
Não foi sempre assim
Tentei dizer
Mas vi você
Tão longe de chegar
Mas perto de algum lugar...


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