quarta-feira, 16 de julho de 2025

Desencantando - parte 06

 Deitaram-se bem próximos, o cansaço vencendo até o medo. A aranha já era só uma lembrança peluda e distante. Suzana ajeitou a mochila de travesseiro improvisado e, no silêncio espesso do túnel, soltou:


— Guty, eu tava lembrando daquele dia...


— Que fizemos piquenique no parque?


Ela riu, surpresa.


— Nossa! Me assustou agora. Como sabe? Lê pensamentos?


— Você fez o mesmo olhar perdido... o mesmo sorrizinho. Aí, lembrei daquele dia também.


— Parece um capítulo do Richard Bach...


— Quem?


— Richard! Bach! — enfatizou, quase rindo.


— Tipo gaúcho? Ricardo Baaach?


— Deixa pra lá...


Suzana soltou uma risadinha cansada e cantarolou baixinho:


— "Se eu não te amasse tanto assim..."


— Ah, essa eu conheço!


Ela virou-se de lado, olhos brilhando mesmo no escuro.


— Então, meu amor... eu tava lembrando da nossa conversa no parque. Você me disse uma frase linda. Digna de letra do Nando Reis. Como era mesmo? Que eu era... raio?


Gutierrez riu baixo.


— Não era raio... Era bem melhor que isso.


Ela esperou, como se soubesse que ele lembraria.


Ele virou o rosto em direção ao dela e disse, com a voz quase feita de brisa:


— Suzana, você é lua, é raiz, é verso e tempestade.


Ela sorriu, surpresa, o coração batendo de um jeito esquisito.


— Guty... que coisa linda! De onde você tirou isso?


Ele hesitou um segundo, e então respondeu com a verdade mais bonita da noite:


— De um coral, na minha cabeça. Todas as vezes que penso em você.


Na escuridão daquele túnel, cercados de incertezas, monstros e umidade, era ali que os dois se tornavam mais humanos: quando o medo já tinha passado, mas o carinho ainda estava por perto.


E isso...

Esses dois corações apaixonados sabiam entender.

Nenhum comentário:

Postar um comentário