segunda-feira, 19 de maio de 2025

Desencantando. Parte 05

 O frio apertava mais a cada curva daquele túnel escuro e silencioso. Mesmo com os casacos grossos, as lanternas na testa e os sacos de dormir amarrados às mochilas, o clima úmido começava a cobrar seu preço. As paredes de pedra suavam como se chorassem o tempo, e os passos de Suzana e Gutierrez ecoavam como se estivessem sendo seguidos.


Foram três noites dormindo no chão duro, com Suzana insistindo em arrumar o local com um carinho quase maternal — mesmo sabendo que Gutierrez zombaria. Mas ele, ao contrário do que fazia parecer, não zombava: guardava no olhar um cuidado silencioso. Às vezes deixava que Suzana dormisse primeiro, fingindo que ainda precisava verificar alguma coisa no mapa. Outras vezes, ela acordava e o via acordado, em silêncio, protegendo-a.


Entre uma parada e outra, Suzana sacava de sua mochila pequenas delícias que havia preparado: pão de mandioquinha com alecrim, geleia de amora feita por ela mesma, café solúvel e bolachinhas em formato de estrela. Gutierrez fingia que não ligava, mas sempre era o primeiro a pedir mais. “Você estraga um homem desse jeito”, dizia com aquele sorriso torto.


Na segunda noite, quando a escuridão parecia mais pesada que o normal, eles ouviram um ruído estranho. Não era o barulho da água pingando, nem o som abafado de algum animal pequeno. Era um arrastar. Algo grande. Algo... com patas.


“Você ouviu isso?”, sussurrou Suzana, já com a mão na Glock.

“Deve ser só uma ideia da sua cabeça, amor”, respondeu Gutierrez, tentando tranquilizá-la. Mas ele mesmo já estava com a lanterna em punho.


Quando viraram a curva do túnel, a luz revelou a criatura: uma aranha gigantesca, do tamanho de um pneu de caminhonete. Suas pernas peludas se esticavam nas paredes úmidas, e seus olhos, numerosos e brilhosos, pareciam farejar o medo.


Suzana engoliu em seco. “Não vamos atirar, não sabemos o que isso pode causar aqui.”

Gutierrez assentiu, impressionado. “Vamos contornar devagar. E torcer pra ela não estar com fome.”


Foi a primeira vez que Suzana preferiu não liderar. Ela deixou Gutierrez ir à frente, e mesmo com o coração acelerado, confiava naquele homem de jeito bruto, mas com uma coragem que se enraizava nela como as raízes de uma figueira em pedra.


Quando já estavam longe da criatura, sentaram-se para recuperar o fôlego. Gutierrez, rindo nervoso, comentou: “Se a gente sobreviver a isso, quero um bolo de cenoura com cobertura de chocolate na volta. E você de avental.”

“Nem em sonho, Gutierrez! Mas... o bolo eu posso pensar.”


Eles riram. E seguiram. Sabiam que o pior ainda estava por vir — e o destino do túnel ainda era um mistério.

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