A sala secreta sob a casa de Gutierrez cheirava a terra antiga e ferro oxidado. Nenhum som vinha da superfície. Só o silêncio, pesado, de quem está prestes a descobrir algo que não pertence mais ao presente.
O diário do avô jazia aberto sobre uma mesa de madeira improvisada. A luz amarelada da lanterna de Suzana tremia contra as páginas desgastadas, revelando linhas escritas à mão, em tinta azul desbotada, e frases enigmáticas espalhadas entre parágrafos de aparência comum.
— Ele sempre me falava sobre o tal “Tesouro do Pirata Zulmiro” — disse Gutierrez. — Eu achava que era uma brincadeira, uma fábula de família... ou uma metáfora.
Suzana girava a régua vazada sobre a página com precisão, observando cada encaixe como se fosse a última peça de um quebra-cabeça antigo. O gabarito, uma peça de metal finamente entalhada, havia caído do meio do diário pouco antes. Com seus vazados, encaixava-se perfeitamente sobre certos trechos — revelando palavras escondidas entre as linhas comuns, como um enigma antigo.
Ela parou.
— Aqui. Veja.
Gutierrez se inclinou. As palavras, ocultas sem o gabarito, agora se formavam nítidas:
“Não é ouro. Não é mapa. É passagem. O palco é entrada. A guerra é memória. Zulmiro era meu nome em código.”
O ar da sala pareceu mais denso. Gutierrez empalideceu.
— Espera... Zulmiro não era um pirata?
— Era um disfarce — disse Suzana, com a voz baixa. — O avô usava esse nome como código. Tesouros... eram pistas. Mas não pra riquezas.
Pra algo muito maior.
— Uma passagem...?
Ela apontou para o rodapé do diário.
— Tem mais aqui: “Se um dia eu não puder contar... que o tempo mostre a verdade. Mas cuidado: algumas verdades se movem.”
Eles se entreolharam. O ar parecia mais pesado do que antes. Atrás deles, a parede leste. Na parte baixa dela, um símbolo reaparecia: o mesmo da régua.
Suzana já estava de pé.
— Gutierrez... acho que encontramos a primeira porta.
E não temos tempo a perder.
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